CAPÍTULO 3
- hendrica fernandes
- 28 de nov. de 2016
- 11 min de leitura

Pov – Nick
─Boa noite John. – Cumprimento o porteiro quando entro no saguão.
─Boa noite. Chegou cedo senhor Stefanos, bom descanso. A senhora Kalais já foi.
─Eu sei John, vim trabalhar em casa hoje. Bom trabalho. – O elevador chega e subo olhando o celular. A porta se abre e chego na sala ainda conferindo as dúzias de mensagens dos insistentes Stefanos.
─Quem é você e o que faz aqui? Acho que não é nada elegante subir sem ser anunciado. – Ergo meus olhos e dou de cara com um anjo no meio da minha sala. Tem qualquer coisa naquele rosto e olhos que me lembra ela, é como um susto. O que é claro só pode ser coisa da minha cabeça. A senhora Kalais disse que era jovem, mas podia ter dito que era também linda.
Olhos azuis como os dela, cabelos loiros e longos, pequena e delicada. Pisco encarando a garota de braços cruzados no meio da minha sala.
─A pergunta devia ser quem é você e o que faz na minha casa? – Ela se espanta, abre a boca chocada.
─Sua casa? Você é o senhor Stefanos? – Afirmo para sua total surpresa. – Mas você não é nenhum velho babão. – Ela exclama e ergo uma sobrancelha. Essa é nova, mas Ulisses iria adorar.
─Velho depende do ponto de vista. Meus sobrinhos diriam que sim. Sobre babão, terá que me dizer como chegou a essa conclusão.
─Eu... eu... Achei que para ser rico assim devia ser velho. – Ela faz um movimento amplo mostrando o apartamento.
─Isso explica o velho, e quanto ao babão? – Evito sorrir apesar de estar achando aquele rosto confuso e assustado muito divertido.
─Você vai me obrigar a dizer? – Afirmo para seu desespero. Ela suspira, descruza os braços e a manga da camiseta cede mostrando o ombro nu, como se não bastasse as pernas torneadas e bronzeadas. – A senhora Kalais foi um tanto indiscreta, disse que troca muito de namoradas ou coisa do gênero. Como eu achava que era um velho...
─Concluiu que eu era um velho babão. – Ela afirma desolada. – Qual seu nome? – Me dou conta que ainda não sei como se chama minha nova governanta.
─Annie Keller. Você está furioso. Não é? – Ela tampa a boca com a mão, revira os olhos. – Te chamei de você. Que começo ruim. Essa minha boca grande, quando fico nervosa... Desculpe senhor Stefanos.
Não gosto do modo formal vindo dela, prefiro assim em todos os outros casos, mas quando vem dela me irrita um pouco.
─Prefiro que me chame de Nick apenas. Como todo mundo. – Só minha família e mais duas ou três pessoas no mundo me chamam assim, mas ela não precisa saber.
─Que bom! – Ela não esconde o alivio. – É muito jovem para ser o senhor Stefanos. Já basta essa casa de revista de decoração e sem nenhuma.... – Annie se cala de modo abrupto.
─Continue? – Peço a ela que balança a cabeça negando.
─Deve querer jantar. Vou servir. – Ela me sorri e aquilo é tão absurdo, o quanto me lembra ela.
─Veio de onde?
─Eu? – Ela balança a cabeça. – Claro quem mais seria? Los Angeles. Fome? – Ela pergunta mais uma vez e afirmo, não é ela. Claro que não seria. Meu coração fica pulando e fico tentando dizer a ele para parar porque simplesmente não é ela.
─Vou subir. Vinte minutos e pode servir. – Ela dá dois passos e depois olha para si mesma. Linda, com sua pouca roupa e os pés descalços, isso nem parece estar acontecendo. As coisas aqui não vão ser nada fáceis.
– Aí meu Deus. Olha como eu estou? Tinha uma roupa pronta para te esperar. Desculpe.
─Está ótimo Annie. Não se preocupe. – Subo as escadas para longe de seus olhos.
Acho que minha gatinha seria uma garota exatamente assim dez anos depois. Ela tinha uns onze quando nos perdemos, sorrio com a ideia, não posso ficar me lembrando dela toda hora nos próximos dois meses, isso não é nada bom.
Me sinto meio idiota desejando descer logo e vê-la de novo. Quando chego a sala de jantar a mesa está posta. Ela ainda descalça e com a mesma roupa de pé ao lado da mesa. Normalmente a senhora Kalais já teria sumido para sempre.
─Precisa de algo? Eu me esqueci de perguntar a senhora Kalais se tinha que ficar aqui de pé como nesses filmes de magnatas ou se te deixo sozinho. Acho que deve ser chato ficar sozinho, mas... – Ela se cala mais uma vez. Gosto desse jeito espontâneo e atrapalhado, adicionado a beleza estonteante é um perigo em forma de gente.
─Normalmente eu fico sozinho, nem vejo a cara da senhora Kalais, mas já que está aqui sente. – Convido e ela olha para a cadeira e depois para mim. – Vamos. Já jantou? – Ela nega. – Ótimo. Pegue talheres e venha jantar comigo.
─Tem certeza?
─Absoluta. Vai ficar aqui dois meses, vamos nos conhecer. – Ela sorri. Não é nada bom fazer isso. Annie some um momento, volta com prato e talheres. Se senta ao meu lado e se serve.
─Obrigada pelo convite. – Meneio a cabeça, até que gosto de ter companhia.
─Agora me diga o que acha da casa, começou a falar e não terminou, quero saber.
─Vai me torturar até eu contar?
─Sim. Pode dizer.
─Sabe Nick. É assim que devo chama-lo, não é?
─Exato. – Ela é toda delicadinha.
─Sabe Nick. Está tornando o que poderia ser uma cordial relação de trabalho, numa prematura e radical quebra de contrato.
─Vamos ter que arriscar Annie. – Gosto de pronunciar seu nome. Ela faz uma careta.
─Quando cheguei aqui achei esse lugar incrível, é realmente perfeito, mas como capa de revista de decoração, ele não... Vou dizer! – Afirmo tomando um gole de água. – Ele não tem personalidade, não se sabe nada sobre quem mora aqui, do que gosta, quem é. Essas coisas. – Ela suspira. – É agora que me demite?
─Não. Ainda não é dessa vez. – Sinto seu alivio e sorrio. Ela pisca algumas vezes, me olha mais fixamente parece levar um susto. Quase fica pálida. Balança a cabeça como se estivesse negando algo.
─Então veio trabalhar para um velho babão sem personalidade? Me admira não ter fugido.
─Preciso do emprego. E agora sabemos que não é um velho babão. – Ela sorri e depois leva o garfo a boca. Uma boca bem bonita alias.
─Sim, agora sou só um cara sem personalidade.
─Talvez seja só um cara que não liga para detalhes, que trabalha muito e deixou essas coisas na mão de outra pessoa.
─Foi exatamente isso. Na época não me passou pela cabeça me envolver em nada. Eu estava deixando a universidade e só queria ser rápido.
─Viu? Além disso tem essa vista perfeita, o resto não importa.
─Foi por isso que escolhi o lugar, a vista e o silencio. – Ela olha para a vista, continuamos a comer.
─O silencio me faz sentir surda, olho para todo esse movimento e não escuto nada.
─Faz sentido. A comida está ótima.
─Não mereço os créditos, a senhora Kalais deixou pronto antes de partir.
─Ela sempre acerta. – Falamos um pouco sobre ela e a vista enquanto vamos comendo. Descanso os talheres, eu bem queria achar um motivo para apenas continuar ali, acontece que sei que não é boa ideia. Então me ponho de pé. – Bom Annie, eu tenho muito trabalho pela frente. Boa noite.
─Boa noite. – Ela diz me olhando ainda sentada. Então sigo para o escritório e abro meu computador. Começo com as planilhas de Londres, ainda tenho muito trabalho.
Ignoro as mensagens de toda a família por quase uma hora. Depois quando finalmente chega a de Leon eu sou obrigado a responder. Respondo mentindo que estou num bar com amigos, é noite e é onde eu deveria estar com meus quase vinte e sete anos.
Acho que não vão acreditar, mas Ulisses está lá e vai dizer a eles que não sou nenhum monge. Saímos muitas vezes juntos. Então volto a me concentrar no trabalho, agora as três senhoras Stefanos não vão mais tentar contato com medo de estragar meu possível encontro com a quarta futura senhora Stefanos.
Volto ao trabalho, de vez em quando penso em ir à cozinha buscar um copo de água, mas sei que isso é apenas desculpa para ver a garota que dorme a alguns metros de mim.
Ela é divertida e foi um bom jantar. Não é assim ruim chegar em casa e ter alguém para trocar umas palavras amistosas.
Volto ao trabalho, o relógio marca onze e quinze da noite. Mais pelo menos uma hora disso. Amanhã tenho que entregar essas contas para Simon fechar e ainda preciso estudar o caso dos Wilsons, eles têm que conseguir manter a casa. Se tivessem procurado a associação antes. Agora perderam todos os prazos.
─Oi. – Ergo o olhar e Annie surge na porta com uma bandeja. – Desculpe se atrapalho, é que já está tarde e ainda está aí. Então eu fiz um sanduiche e um suco.
─Entre. É uma ótima ideia. Jantei cedo e estou com sono.
─A senhora Kalais disse para nunca vir aqui, mas resolvi arriscar.
─Odeio esse cara para quem a senhora Kalais trabalha. Não tinha ideia que ela me via assim. – Conto enquanto afasto algumas coisas e ela deposita a bandeja.
─Ele é meio chato mesmo. – Annie sorri. – Esse sanduiche de tudo que tem na geladeira é minha especialidade. Espero que goste.
─O nome é ótimo.
─É, mas no seu caso não é verdade. Tem muita coisa nessa geladeira, não coube tudo.
─Comeu?
─Não. Tomei o suco, está ótimo. – Ela caminha até a vidraça enquanto mordo o sanduiche. Encara a noite clara e viva de Nova York.
─Está muito bom. – Aviso depois de dar a primeira mordida, tem de tudo ali, mas misturado tem um gosto ótimo. – Depois disso consigo terminar meu trabalho.
─Onde estudou?
─Harvard, direito.
─Inteligente. ― Ela parece quase decepcionada.
─Terminou seus estudos?
─Não. Acho melhor deixar você trabalhar. Boa noite. Se precisar é só me chamar.
E ainda não calçou sapatos eu penso quando a assisto deixar a sala. É estranho como me sinto bem perto dela. Termino o sanduiche, tomo o suco enquanto leio o processo. Quando termino passa das duas da manhã.
Subo as escadas sem nenhuma vontade de dormir. Me deito e claro ganho de presente uma crise de insônia. Annie me traz lembranças demais.
Me lembro da porta da disciplina ser aberta e a garotinha atirada lá. Me fingi de forte por que tinha doze anos e não queria que me visse chorar.
─Fiquei preocupada, a culpa foi minha. Te trouxe pão e água.
─Obrigado. Seus olhos parecem de gato.
─Eu sei, meu pai dizia. Vamos ficar aqui até morrer?
─Não gatinha. Uma hora eles abrem.
─Você me salvou daquela bruxa, é como um príncipe.
─Quando fizer algo muito grave eles te atiram aqui na disciplina um tempo, depois abrem, vou tentar vir se te mandarem, mas se não der não fica com medo.
─Ai. O que é isso? Passou algo no meu pé. É muito escuro.
─Senta aqui do meu lado, são ratos, não vão te morder.
─Tenho medo.
─Medo? É uma gatinha. Gatos devoram ratos, eles é que tem medo de você.
─Vou te chamar de príncipe.
─Como fez para te mandarem aqui?
─Estava olhando que não saía nunca. Eu escondi esse pedaço de pão e a água e cuspi no segurança, ele me deu um tapa, me arrastou para cá.
─Obrigado, mas fica longe deles, fica longe dos meninos maiores, as coisas...
As memórias me incomodam. Fico de pé. Quase cinco da manhã.
Desço em busca de água gelada e quando bebia o primeiro gole escuto Annie gritar. Sigo até seu quarto, bato na porta, ela grita mais uma vez e apenas entro.
A garota se senta pálida, me olha assustada.
─Desculpe. Acordei você?
─Não, estava na cozinha. Pesadelo?
─É.
─Deve estar estranhando o ambiente novo. Volte a dormir, não tenha medo, é seguro aqui. Boa noite.
Ela afirma e deixo o quarto fechando a porta. Volto para cama, talvez seja boa ideia ir encontrar meus irmãos, perto deles as lembranças sempre diminuem um pouco.
─Sabe que não vai idiota. Por que fica se enganando?
Acabo conseguindo dormir umas horas, depois quando entro na academia estou decidido a correr o mais rápido que puder para não pensar em nada. É inútil, acabo pensando um pouco na garota que tenho lá em baixo. Depois de cinquenta minutos de corrida aproveito para nadar, mais do que em qualquer outro dia na vida, quando desço para o café estou com dor no ombro e nas pernas.
A mesa está posta. Não é como a senhora Kalais organiza as coisas, mas está ótimo. Mesmo assim não quero sentar. Encaro a porta que leva a cozinha. Por que tenho que comer sozinho se podia encontrar Annie e quem sabe rir um pouco?
Além disso ela teve um pesadelo e realmente não seria nada educado sair sem saber se ela está bem. Sirvo uma xicara de café e vou bebendo para a cozinha. Observo enquanto ela parece distraída arrumando coisas em um armário.
Usa roupas de ginastica e tem os cabelos presos num rabo que balança quando ela se movimenta de costas para mim.
─Bom dia. – Digo quando percebo que não me viu, ela dá um pulo, meia dúzia de coisas caem do armário e então ela se vira. – Desculpe. – Digo rindo.
─Acho que a senhora Kalais era uma terrorista infiltrada, ela disse que você nunca entra na cozinha.
─É verdade, mas ela assustava um pouco. – Annie sorri. – Vai malhar?
─Deus me livre. Fui correr no Central Park, faço isso todas as manhãs, acordo bem cedinho e corro ao ar livre pelo menos uma hora.
─Pode usar a academia se quiser.
─Prefiro o Central Park. – Ela responde guardando as coisas que derrubou.
─Já tomou café? – Eu estou me sentindo bem idiota correndo atrás de companhia. Não sou assim.
─Não. – Ela para o que está fazendo e me olha.
─Então vem. Depois termina. – Ela olha para a própria roupa mais uma vez. – Você se veste como quiser está bem? Só tem nós dois aqui.
─Ótimo. – Voltamos para a sala de jantar. Ela se senta ao meu lado como a noite anterior. – Gosta de café?
─Não começo meu dia sem uma dose de cafeína.
─Também não. Tem uma cafeteria bem boa quando volto da minha corrida, vou começar a trazer café.
─Tem dinheiro?
─Sim. Não, quer dizer, tem dinheiro numa gaveta da cozinha, mil dólares, dá para tomarmos café até enjoar.
─Se precisar de mais.
─Ligo para um senhor Simon e ele me dá mais. Ela me disse.
─Senhor Simon. – Acabo rindo. – Ele vai gostar de ouvir isso. Não precisa ligar para ele, é só falar comigo, qualquer coisa que precisar, a senhora Kalais era formal demais.
Como uma fatia de queijo e tomo meio copo de suco, depois fico de pé.
─Já ia me esquecendo. Conseguiu voltar a dormir?
─Desculpe, mais uma vez. Não queria encomodar. Eu... só me desculpe.
─Está tudo bem. – Sorrio. Sei exatamente como é ter um pesadelo. Talvez melhor que ela, mas aprendi a bloquear ou tinha aprendido. Até ela chegar.
─Obrigada Nick.
─Tenho um dia cheio. Até a noite.
─Bom trabalho.
Aceno e deixo o apartamento. No elevador fico pensando como ela vai passar o dia sozinha. Dirijo para a associação, lá o trabalho é dinâmico demais para pensar em qualquer coisa.
Depois quando dirijo para o escritório passo pelo central Park, não sei se gosto de pensar nela correndo sozinha muito cedo, aqui é Nova York, pode ser bonitinho nos filmes, mas é bem perigoso.
─Bom dia senhor. – Ellen me cumprimenta. – Seu irmão ligou, ele já olhou seus e-mails e respondeu. Mandou avisar que Sophia está ótima.
─E o que mais.
─É o Ulisses, o senhor não quer saber o resto.
─Ok Ellen. Obrigado.
Quando me sento em meu lugar, Simon entra cantarolando.
─Que bom humor!
─Encontrei uma vizinha sua no bar. Sarah. Conversei com ela meia hora.
─Sei quem é. Ficaram juntos?
─Não. Mas você podia me convidar para jantar um dia desses, quem sabe nos encontramos de novo?
─Não. Liga para ela.
─Ela não me deu o telefone. Convida ela para jantar também?
─Não. O que temos essa tarde?
─Você não vai me ajudar já entendi.
─Se ela quisesse te ver te daria o telefone dela.
─Só por que todas as garotas do mundo te dão o telefone não quer dizer que aconteça com todo cara. – Simon se senta e abre a pasta, depois me olha um momento. – Se eu tivesse a sua cara, o seu sobrenome e a sua conta bancária...
─Você seria eu e não acharia nada divertido.
─Isso com certeza, então eu queria ser o Ulisses antes de casar é claro.
─A gente pode trabalhar um pouco, claro se isso não for atrapalhar os seus devaneios.
─Por que a gente é amigo mesmo?
─Por que fomos forçados a dividir um quarto uns anos atrás da faculdade.
─Ah! Agora me lembro. Você é o cara que passava toda sexta à noite estudando.
─E você é o cara que chegava bêbado de madrugada e cantando.
─Bons tempos. E mesmo assim sempre ficava com as garotas mais bonitas.
─Eu refiz uns contratos que estavam bem mal feitos, coisa que veio da Turquia. O Ziar precisa rever aquele departamento.
─Sabia que reclamaria, até eu achei péssimo e nem sou tão exigente.
─É sim ou não estaria aqui.
─Um drink no fim do dia?
─Não, tenho que ir cedo para casa.
─Tem? – Simon pergunta.
─Tenho? Não disse tenho, disse quero, para terminar umas coisas da associação.
─Como vai a nova senhora Kalais?
─Deve estar bem. Não sei. – Por que estou mentindo para o Simon feito um garoto fazendo travessuras? - Chega de papo, vamos trabalhar.
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